sexta-feira, 23 de setembro de 2011

O pequeno principe e a raposa

E foi então que apareceu a raposa:

- Bom dia, disse a raposa.
- Bom dia, respondeu polidamente o principezinho, que se voltou, mas não viu nada.
- Eu estou aqui, disse a voz, debaixo da macieira…
- Quem és tu? perguntou o principezinho. Tu és bem bonita…
- Sou uma raposa, disse a raposa.
- Vem brincar comigo, propôs o principezinho. Estou tão triste…
- Eu não posso brincar contigo, disse a raposa. Não me cativaram ainda.
- Ah! desculpa, disse o principezinho.
Após uma reflexão, acrescentou:
- Que quer dizer "cativar"?
- Tu não és daqui, disse a raposa. Que procuras?
- Procuro os homens, disse o principezinho. Que quer dizer "cativar"?
- Os homens, disse a raposa, têm fuzis e caçam. É bem incômodo! Criam galinhas também. É a única coisa interessante que fazem. Tu procuras galinhas?
- Não, disse o principezinho. Eu procuro amigos. Que quer dizer "cativar"?
- É uma coisa muito esquecida, disse a raposa. Significa "criar laços…"
- Criar laços?
- Exatamente, disse a raposa. Tu não és para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens também necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo…
- Começo a compreender, disse o principezinho. Existe uma flor… eu creio que ela me cativou…
- É possível, disse a raposa. Vê-se tanta coisa na Terra…
- Oh! não foi na Terra, disse o principezinho.
A raposa pareceu intrigada:
- Num outro planeta?
- Sim.
- Há caçadores nesse planeta?
- Não.
- Que bom! E galinhas?
- Também não.
- Nada é perfeito, suspirou a raposa.
Mas a raposa voltou à sua idéia.
- Minha vida é monótona. Eu caço as galinhas e os homens me caçam. Todas as galinhas se parecem e todos os homens se parecem também. E por isso eu me aborreço um pouco. Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei um barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros passos me fazem entrar debaixo da terra. O teu me chamará para fora da toca, como se fosse música. E depois, olha! Vês, lá longe, os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelos cor de ouro. Então será maravilhoso quando me tiveres cativado. O trigo, que é dourado, fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo…
A raposa calou-se e considerou por muito tempo o príncipe:
- Por favor… cativa-me! disse ela.
- Bem quisera, disse o principezinho, mas eu não tenho muito tempo. Tenho amigos a descobrir e muitas coisas a conhecer.
- A gente só conhece bem as coisas que cativou, disse a raposa. Os homens não têm mais tempo de conhecer alguma coisa. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se tu queres um amigo, cativa-me!
- Que é preciso fazer? perguntou o principezinho.
- É preciso ser paciente, respondeu a raposa. Tu te sentarás primeiro um pouco longe de mim, assim, na relva. Eu te olharei com o canto do olho e tu não dirás nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas, cada dia, te sentarás mais perto…
No dia seguinte o principezinho voltou.
- Teria sido melhor voltares à mesma hora, disse a raposa. Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieta e agitada: descobrirei o preço da felicidade! Mas se tu vens a qualquer momento, nunca saberei a hora de preparar o coração… É preciso ritos.
- Que é um rito? perguntou o principezinho.
- É uma coisa muito esquecida também, disse a raposa. É o que faz com que um dia seja diferente dos outros dias; uma hora, das outras horas. Os meus caçadores, por exemplo, possuem um rito. Dançam na quinta-feira com as moças da aldeia. A quinta-feira então é o dia maravilhoso! Vou passear até a vinha. Se os caçadores dançassem qualquer dia, os dias seriam todos iguais, e eu não teria férias!
Assim o principezinho cativou a raposa. Mas, quando chegou a hora da partida, a raposa disse:
- Ah! Eu vou chorar.
- A culpa é tua, disse o principezinho, eu não queria te fazer mal; mas tu quiseste que eu te cativasse…
- Quis, disse a raposa.
- Mas tu vais chorar! disse o principezinho.
- Vou, disse a raposa.
- Então, não sais lucrando nada!
- Eu lucro, disse a raposa, por causa da cor do trigo.
Depois ela acrescentou:
- Vai rever as rosas. Tu compreenderás que a tua é a única no mundo. Tu voltarás para me dizer adeus, e eu te farei presente de um segredo.
Foi o principezinho rever as rosas:
- Vós não sois absolutamente iguais à minha rosa, vós não sois nada ainda. Ninguém ainda vos cativou, nem cativastes a ninguém. Sois como era a minha raposa. Era uma raposa igual a cem mil outras. Mas eu fiz dela um amigo. Ela á agora única no mundo.
E as rosas estavam desapontadas.
- Sois belas, mas vazias, disse ele ainda. Não se pode morrer por vós. Minha rosa, sem dúvida um transeunte qualquer pensaria que se parece convosco. Ela sozinha é, porém, mais importante que vós todas, pois foi a ela que eu reguei. Foi a ela que pus sob a redoma. Foi a ela que abriguei com o pára-vento. Foi dela que eu matei as larvas (exceto duas ou três por causa das borboletas). Foi a ela que eu escutei queixar-se ou gabar-se, ou mesmo calar-se algumas vezes. É a minha rosa.
E voltou, então, à raposa:
- Adeus, disse ele…
- Adeus, disse a raposa. Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos.
- O essencial é invisível para os olhos, repetiu o principezinho, a fim de se lembrar.
- Foi o tempo que perdeste com tua rosa que fez tua rosa tão importante.
- Foi o tempo que eu perdi com a minha rosa… repetiu o principezinho, a fim de se lembrar.
- Os homens esqueceram essa verdade, disse a raposa. Mas tu não a deves esquecer. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és responsável pela rosa…
- Eu sou responsável pela minha rosa… repetiu o principezinho, a fim de se lembrar.

Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

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Um intervalo. Por alguns dias. Talvez um ano ou nunca mais.
Não sei bem por quanto tempo.
Apenas sei que preciso de um tempo.
Gosto daqui: falo o que penso, o que sinto.
Mas é hora de dar um tempo:
Sem falar.
Só sentir.
Dar uma volta, na real. 
Ver o que acontece lá fora.
Tipo:
Ler uns livros.
Encontrar velhos amigos.
Visitar alguns parentes.
Fazer uns cursos.
Praticar um esporte.
Viajar com as crianças.
Ser voluntária.
...
Fazer coisas importantes, com um certo significado.
Achar um sentido para a vida.
Encontrar motivos para sorrir.
Caminhos para seguir.
Me achar, me refazer.
Outra vez.
E, quem sabe voltar.
Melhor do que sou hoje.
Bye!


(Akemi de Queiroz Sakaguchi)




segunda-feira, 5 de setembro de 2011

A melhor parte do meu dia


Todos os dias, quando chego em casa,
depois de um dia de trabalho.
 Fico parada na porta e espero um pouco.
Não demora muito meus anjinhos, de rabinho escondido, surgem: 
correndo e falando ao mesmo tempo.
Tentam num segundo,
me contar as novidades do dia.
Geralmente, são reclamações.
Estão na fase de implicar um com o outro.
Tento não dar muita ênfase para as fofocas. 
Logo eles esquecem e me contam coisas mais legais.
Nesse tempo em que sou assediada pelos mais velhos, a caçula,
que não sabe falar, mas já sabe andar,
aperta os passinhos desajeitados e me alcança
com um sorriso que dispensa qualquer palavra. 
Num abraço, encosta a cabecinha no meu ombro e me dá uns tapinhas nas costas. Tal como faço com ela. 
Entendo seus sinais. 
Nessa hora demonstra que sentiu a minha falta e como é bom me ver.
Paz, é a palavra que define esse momento do meu dia.
Chegar em casa e ver que estão todos bem: 
seguros, saudáveis e felizes.
Não há motivo maior para ser feliz.
Nessas horas meu coração se enche de Deus.
Essa felicidade plena é obra dele e, 
não tem como não atribuir ao pai todas as minha dádivas.
Agradeço também a minha mãe, 
que está por perto,
cuidando e ensinando aos meus filhos,
toda a cartilha que um dia já me ensinou.
Dizem que avó é mãe duas vezes.
Concordo, plenamente.
Não posso esquecer também de agradecer a babá,
sem ela eu nem poderia trabalhar.
Meus bens mais preciosos, deixo nas mãos dela.
Mãos abençoadas e guiadas pelas mãos de Deus.
Penso agora, como a vida pode ser quase perfeita quando damos valor a esses pequenos-grandes detalhes.
Como perdemos tempo dando importância a sentimentos tão pequenos,
quando podemos desfrutar do amor, da amizade, da paz, da alegria...
Muitas vezes, na correria que é a vida,
nos esquecemos que na cabecinha deles,
tudo é mais simples.
Que para eles, sempre existe tempo para um abraço, uma conversa.
Sempre existe um tempo para nós.
Ser mãe, é muito mais que dar, somente, amor e conforto.
É também estar presente.
Todos os dias tento ser mãe de verdade.
Mesmo que eu não consiga algumas vezes.
Estou sempre tentando fazer o melhor.
O meu melhor. 


(Akemi de Queiroz Sakaguchi)